4 de abril de 2011

Ausência




No fundo, bem no fundo, é verdade, somos todos iguais.
Perversos. Românticos. A dor é a mesma.
Uma ausência imensa, profunda.
Gargalhadas. Lágrimas.
Um espaço que jamais será preenchido.
De vez em quando, pulsa.
Um cheiro, uma música qualquer.
Adormece novamente.
Confortável, assim.  



1 de abril de 2011

Âncora





É difícil entender o porquê de tantas amarras.
Está tudo ali, logo adiante, nos esperando.
Uma vida inteira mais leve e feliz.
Mas existe uma âncora que nos aprisiona.
De um peso enorme, quase sufocante.
Ao mesmo tempo em que queremos ir, não existe força suficiente para darmos os primeiros passos sozinhos.
Algo como aprender a andar. Insegurança. Fragilidade.
Medo de cair. Medo de não mais levantar. Como somos tolos e imaturos.
Podemos tanto e não cremos em nossa força.
Somos capazes de abraçar o mundo inteiro, se quisermos.
Mas nosso olhar se volta para a âncora. Pobre âncora.
Tão tosca e, ao mesmo tempo, fascinante.
De sua austeridade ecoa um som tão singelo. Encanta-nos.
Ainda não é hora. Não estamos prontos para seguir.
Inebriados de um sentimento que não sabemos nominar, recuamos e nos abrigamos no calor gélido do nosso amor.



31 de março de 2011

Sem olhar para trás


Todos os dias ela estava lá: sentada na praça, no mesmo horário, contemplando o céu. Confesso que não sei há quanto tempo a vejo por ali. Só me dei conta de sua presença num dia de garoa. A praça estava completamente vazia, mas lá estava ela. Abrigava-se debaixo de uma árvore de copa enorme que impedia que os pingos da chuva encontrassem o seu corpo. Eu quase podia ouvir sua respiração. Deste dia em diante passei a, de certa forma, ficar inquieta com aquela imagem. Muitas vezes seu olhar estava distante, como se estivesse ali sozinha. Noutras vezes, perseguia cada detalhe, cada movimento, cada som. Sua atitude agitava minha curiosidade. A moça deveria ter uns vinte e poucos anos, que transbordavam jovialidade num rosto de traços delicados, porém triste. Suas mãos procuravam segurança, creio. Deslizando lentamente sobre a capa do livro que a acompanhava em sua meditação. Certo dia, ainda tinha alguns minutos antes do portão abrir, sentei ao seu lado. Inicialmente, não notou minha presença, como era de se esperar. Folheava o livro, fechava. Em outros momentos, apenas o abraçava e ficava agarrada a ele como se o soltando jamais fosse voltar. Para minha surpresa ela me olhou e disse que sabia que eu a observava todos os dias, no meu caminho de volta para casa. Contou-me que há pouco tempo tinha perdido uma pessoa muito querida e, desde então, tentava se reencontrar. Sua vida tinha perdido o sentido, mas ela não aceitava a dor e o sentimento de impotência diante do que o futuro lhe reservava. Estava ali, todos os dias, procurando um motivo para seguir em frente, para não desistir e (parece) o tinha encontrado. Confessou-me ter pedido perdão milhares de vezes, por não ter tido força para seguir sozinha. Eu apenas a escutava, sem saber o que dizer. Após alguns minutos de silêncio ela levantou. Segurou em minha mão e me agradeceu por não tê-la julgado. “Eu apenas queria sentir-me viva. Buscar a paz. Contemplar as pessoas de longe, ouvir suas histórias. Ouvir as crianças gritando, brincando. E ouvir os pássaros alegrarem o dia. Eu somente não queria sentir-me tão só. E a sua presença fez-me perceber que jamais estarei sozinha. Que em algum lugar, sempre existirá alguém que vai notar a minha presença. Obrigada por ter prestado atenção em minha dor. Nós passamos tanto tempo perdidos em nós mesmos que, muitas vezes, esquecemos de olhar para quem está ao nosso lado. Passamos tanto tempo em nossas buscas materiais e esquecemos de amar. Este livro foi um presente que não tive tempo de abrir, estava sempre muito ocupada com meu trabalho, com televisão e coisas sem valor. Hoje, não posso mais agradecer a quem me deu, pois ele não está mais entre nós. Você notou a minha presença, mesmo sem me conhecer. Isso me fez perceber que ainda tenho muito para viver e, principalmente, ainda tenho muito aqui dentro para oferecer aos que ficaram.” Seguiu seu caminho sem olhar para trás.

28 de março de 2011

Frio



Ah! Eu sei que não.
Você não é capaz de perceber.
Lá... bem longe. Vê?
Aquela gota que cai.
A vida se esvai.
Você não nota?
Tantas cores, tantos sóis.
Abra a cortina.
Por favor, eu também quero assistir.
Deixe-me percorrer este caminho.
Não me impeça de voar.
Sim, eu posso ir além.
Solte as amarras, não posso ficar.
Todos os dias eu ouço essa voz.
Mas outros sons me ferem.
Eu preciso seguir.
Vou escolher uma cor.
A que fizer vibrar meu coração.
Vou fechar os olhos e flutuar.
Você vem comigo?


26 de março de 2011

Luz




Certo dia, escutei dizer que eu sou luz.
“Você é luz na vida das pessoas”.
Eu não compreendi, naquele momento, o que aquela frase, dita em meus ouvidos por uma voz vinda não sei de onde, queria dizer.
Mas mesmo não compreendendo, a passagem por aquele caminho: o mar, a brisa, o sol que reluzia tão magicamente, fizeram-me ter certeza de que é isto que eu sou realmente.
Sem questionamento algum eu aceitei a minha condição: Luz na vida das pessoas.
Passados alguns dias, eu resolvi, então, tentar analisar o que significava aquela frase, segredada por uma voz tão doce e, ao mesmo tempo, firme.
Eu sou luz, sim.
E, hoje, eu sei o porquê.
Sou luz, porque sou verdade.
Você não sabe? Eu sou o amor.
Eu vivo o amor.
Eu vivo. Você me conhece?
Sou luz, porque sou música. Você já me ouviu?
Já esteve comigo?
Já te fiz sorrir? Eu sou alegria.
E vivo, intensamente, cada segundo, cada momento.
Eu faço bem. Sabe por quê?
Porque eu sei que amanhã poderemos não nos ver mais, sendo assim vou te amar hoje, profundamente, como se tivéssemos somente esta oportunidade.

25 de março de 2011

Passado



Disseram-me que meu nome seria Francine. Nada contra, mas... fico feliz que tenham mudado de idéia. Nasci em Osasco, São Paulo. Uma semana depois, minha mãe descobriu que dois dentinhos já estavam nascendo. Minha recordação mais antiga é estar, na frente de casa, antes dos três anos de idade, na companhia de minha avó, com o pé (exatamente) em cima de um formigueiro. *tenho alergia a picada de formiga. Já espiei pelo buraco da fechadura. Já toquei campainha e corri. Já joguei água na cara do meu irmão. Apaixonei-me por um moreno na pré-escola. Por um loiro na primeira série. E continuei sendo sempre uma pessoa apaixonada. Aprendi a andar de bicicleta aos nove anos. Esborrachei-me no chão, várias vezes, antes disso... e depois também. Não só andando de bicicleta. Fiz testes no espelho do banheiro e beijei minhas mãos, com batom, antes de dar meu primeiro beijo. Gostei de um colega e o pedi em namoro. Ele me confessou que era apaixonado por minha melhor amiga. Tive meu primeiro namorado aos 13 anos. O ‘relacionamento’ durou aproximadamente um mês. O beijo aconteceu no último dia do namoro: “Ou você me dá um beijo ou nós vamos terminar”. Já beijei e me apaixonei por um primo. E quase perdi a cabeça por um professor. Ah! E por um artista. Inclusive tive certeza de que morreria de amor. Aprendi a nadar sozinha. Tinha 13 anos quando vi o mar pela primeira vez. Já quis ser cantora, atriz, modelo, bailarina, médica, advogada, artista plástica, hoje quero ser feliz. Já cometi loucuras por amor. E as cometeria novamente. Arrependi-me, também, de certas coisas e de ter-me envolvido com certas pessoas. Fui amiga de pessoas completamente loucas e, em alguns momentos, quis ser igual a elas. Estou sempre em transformação. Conceitos. Pré-conceitos. Valores. Sentimentos. Já fui feliz e tive um grande amor. Já beijei sem sequer perguntar o nome. Vivi histórias passageiras, das quais quase não me lembro e outras que guardarei pra toda vida. Já disse que estava com saudade sem estar. E ‘eu te amo’ sem amar. Já gostei de quem não gostava de mim. Tive ‘amigos’ que não me apoiaram quando precisei e ‘conhecidos’ que fizeram por mim o que outra pessoa jamais faria. Hoje, tenho certeza: as únicas pessoas que jamais nos abandonarão, nos momentos insuportáveis, fazem parte da nossa família. Já fui alvo de fofocas justas e injustas. Não sou perfeita, mas procuro, sempre, dar o melhor de mim, ser correta, justa, prestativa e amiga. Mas, também, já fiz maldades. Felizmente nenhuma tão grande da qual pudesse arrepender-me. Enfim, eu sou da paz!

23 de março de 2011

Escolha



Por mais que se esforçasse, ela não conseguia escolher uma palavra em que sua história coubesse. Um nome. Nome que significasse nascimento. Nome que resgatasse sua vida. Um nome não é simplesmente uma palavra. Não é escolhido ao acaso. Um nome pode revelar expectativas de uma vida inteira. Pode designar a origem de uma nova vida. É fato. Como escolher sem pensar? Colocar vários nomes em uma lista e apontar? Ao mesmo tempo, como pensar sobre todas as possibilidades que caberiam nessa lista? Há uma infinidade de nuances para a sua história. Qual a mais bonita? A que tem mais brilho? Qual foi o momento exato que seu coração bateu com mais força? Impossível. Em maior ou menor quantidade, sua vida sempre foi cheia de encantos e de vivacidade. Todos os nomes que passaram por sua mente são significativos. Uns mais, outros menos, mas todos têm força. E foi assim, em meio a tantas considerações, rememorando a trajetória de sua existência, que ela escolheu. “A origem do termo é o latim ‘plurimus, a, um’, que é o superlativo de ‘multus’ (muitos), trazendo o dicionário latino a significação de ‘muito numeroso, ou o mais numeroso ou muito abundante, o mais abundante’.”